31.3.09

Campo dos Sonhos

O mundo entoa uma canção morta;
Esperam pelo impossível, vindo do homem;
A multidão quer o Romantismo heróico;
As pessoas querem acreditar em Cândido e Martí;
Querem ter letras bonitas e céus límpidos;
Querem e precisam ter fé;
Mas há sempre Natalis no mesmo mundo,
Dizendo que a tera é seca e o céu nublado;
Dizendo que o líquido tem que solidificar-se;
Querendo enraizar em razão aquilo que não é racional;
Querendo apodrecer os sonhos dos homens,
A vívida sensação de acreditar no melhor.
Há, ainda, salvação.
(É necessário salvação)
Os desejos não podem cessar simplesmente porque homens clamam sua inexistência;
Os céus não deixam de ser límpidos apenas porque homens clamam que são nublados;
Há de ter um jeito;
Haverá um lugar
Onde a louca fantasia da criança não será dominada por correntes, por ninguém;
Onde é possível não somente sonhar, mas viver o que se sonha;
Um dia não seremos mais presos,
presos por nossos medos,
nossos erros,
nossa incapacidade de esperar;
Um dia.
Em um dia, todo amor derramado não será frustrado;
Não mais lembraremos do amargo e turvo veneno da injustiça;
Poderemos viver plenamente satisfeitos;
Eternamente satisfeitos.
O mundo precisa de fé.
Fé e mangas arregaçadas.

"É preciso ter fé no melhor do homem e desconfiar do pior dele. É preciso dar oportunidade ao melhor para que se revele e prevaleça sobre o pior. Senão, o pior prevalece." - José Martí

"Porque, eis que eu crio novos céus e nova terra; e não haverá mais lembrança das coisas passadas, nem mais se recordarão." - Is 65:17

"E vi um novo céu, e uma nova terra. Porque já o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe." - Ap 21:1

28.3.09

A Libélula

Aterrisa e voa;
Cansada, revoa;
Acredita em ter um destino melhor.

Balança depressa;
Tomada de mestra;
Sabe que sabe tudo de cor.

Pois diga-me então
quem voa mais que a Libélula;
Mostra-me quem melhor conhece os céus.

Mas também sabe ela,
Que voo nenhum a sossega,
Se a mão que a Cuida não lhe cobrir.

Pois de nada valem asas,
Velocidade e habilidades caras,
Se o vento voar, não a permitir.

Então quem no mundo sabe
sobre o vento e o mar de verdade,
Se não quem com seus prórios dedos os criou?

Quem sabe ao certo,
O destino, caminho incerto,
Do Homem, imagem daquele que o sonhou?

24.3.09

A Orquestra

O som ainda não vinha, mas já estava no ar, estático, e já podia se sentir seu cheiro ecoando por todas as paredes e assumindo uma atmosfera magnificamente harmoniosa. Arcos mexeram e remexeram, na ansiedade do gesto que os deixariam livres para correrem em direção à suas amadas cordas. Dedos já acariciavam suas respectivas fibras e metais, na espera da queda da batuta. Caiu. Dedos que até então pareciam dormentes em suas teclas, espreguiçaram-se e emitiram os primeiros sons, curiosamente harmoniosos. Esticaram-se mais um pouco e alcançaram algumas teclas ao lado, como se brincassem por entre elas, até que um som estridente (mas caloroso) surgiu no ambiente, assustando-os e fazendo-os correr desenfreadamente por todas as direções, escalas e pautas. Pareciam, na verdade, entretidos com os peculiares pontos e linhas desenhados primordialmente em pedaços de papel à sua frente (mais por aqueles sem linhas, porque acompanhando-os por um momento, percebi que se demoravam mais quanto mais redonda e vazia a figura parecia). Ao mesmo tempo, tudo parecia frustrante, porque apenas uma pequena vara dançava ao som da música (em parte julguei ser um enorme desrespeito, mas percebi que também morria de vontade de me mexer), mas momentos depois vi que todos ali tocavam para que ela dançasse (ou o fato de que quando ela parava de dançar causava a pausa de toda a canção era uma impressionante coincidência). Foram os únicos momentos em que meu coração estava na ponta de cada um dos meus dedos, de forma que tive de cerrar os punhos para contê-lo e não o deixar escapar. Ah, o que seria dos Homens sem a música... A mais clara evidência de que os céus existem.

16.3.09

Minha Vida Escrita

Mais uma rima?
Não. Nenhuma mais.
Rimar mais não quero,
não quero o cheiro amargo do tradicionalismo
que nos deixa cegos, surdos, e falantes, muito falantes.
quero não ligar mais para o que não importa,
quero mergulhar aonde, e somente aonde
meu coração há de satsfazer-se,
minha alma deleitar-se,
meu corpo descansar,
a mente se inspirar.

O que é triste e agonizante,
é que sei que nem sempre saberei isso,
nem sempre hei de querer-te,
(honestamente, não tenho controle nenhum sobre tais coisas)

Mas o que conforta
é que sempre saberás onde estou;
sempre hás de querer-me;
sempre hás de querer o mundo;
por mais que o mundo o tenha negado;
Não cessas,
Amas e amas,
E nunca entenderei.

Capítulo 5

Enquanto repensava todos seus planos, sem chegar a algum resultado novo, o pescador lamentava os dias perdido na floresta, esperando em agonia que a Árvore aparecesse miraculosamente diante de seus olhos. Seus pés doiam e ardiam, rasgados pelos tropeços nos galhos traiçoeiros e maltratados pelas teimosas rochas as quais por vezes se encontravam. Sentia que a exaustão poderia o levar a qualquer momento à inconsciência, e mais do que nunca, indagou-se da futilidade de todo o seu ser, de toda as suas forças, de tudo o que já soube e aprendeu durante a vida, de todas as vezes que correu durante a infância, dando força as pernas, de toda aquela missão, porque por mais que seu corpo ainda não jazia morto no chão, sua mente já morrera a algum tempo, ou ao menos encontrava-se num profundo coma, esperando qualquer faísca de esperança que pudesse trazê-lo de volta ao mundo, que pudesse fazê-lo alegrar-se novamente nos raios de Sol que lhe iluminavam os olhos, porque nem isso mais sentia. Sentia nada mais do que a dor espalhando-se como veneno por seu corpo e duas rochas que reposavam em suas pálpebras e que por mais que ele batalhasse, não as conseguia tirar dali. Até que a própria respiração parecia preguiçosa, lenta; o corpo todo esquentou-se a movia-se agora por pura inércia, não se sabe por quanto tempo, porque não fazia mais ideia para onde ia ou como ainda tinha forças para erguer, lentamente, cada pé, para que se pudesse dar mais um passo, mais um passo, mais um... e então as pedras em seus olhos aumentaram e as pálpebras não mais as conteram e foram fechando, fechando, fechando, até que selaram a negra solidão do nada e a mente se apagou, finalmente.
À medida que os olhos se abriam e adiquiriam ciência da vida, a noite estendia-se no céu límpido, iluminado por incontáveis estrelas de incontáveis brilhos, cercando a Lua, bela em sua perfeita forma, regendo todas as suas servas durante essas horas que o Sol não se apresentava. Havia música. Alegre, envolvente, parecendo a Merkill que encontrara novamente algo que pudesse encher seu coração do romantismo vívido que antes tinha (embora ainda não fosse o suficiente). Levantou a cabeça, descobrindo-a mais leve do que imaginava, postando-se sentado num - recém descoberto - tapete. À sua frente, uma grande fogueira elevava-se, alta, com suas faíscas fugindo em pares durante a noite. Em volta da fogueira, haviam máscaras dançantes - que apenas depois de algum tempo, percebeu estarem sendo usadas por homens e mulheres - saltando compassadamente, cada um à sua maneira estranha (uma mais estranha que a outra). Então ouviu-se um grito:
-- O menino-morto!
E assim que todos ali processaram o significado da mensagem, viraram-se para Merkill, que foi tomado de um enorme medo e insegurança. Correram todos então ao menino-morto que encontrava-se sentado num tapete-de-várias-cores, adornado das mais variadas figuras.
-- Está vivo! Está vivo! - repetiam.
Merkill olhou para os lados, desconsertado, não encontrando palavras que pudessem descrever sua confusão. Mas não demorou muito e, empurrando-se em meio a multidão, mostrou-se um velho, de pele bronzeada (assim como o resto da tribo, assemelhando-se também com Merkill) e enrugada, cabelos grisalhos, olhos castanhos, trajando um belo manto roxo com detalhes dourados, segurado por um pequeno cajado, mas sem curvar sua postura. Parecia exalar algo de nobre e sábio nele.
-- Afastem-se, por um momento... - disse, enquanto era obedecido pelas outras pessoas - Diga-me... - disse, voltando-se ao pescador - já sente-se bem?
-- Ahm... acho... creio que sim.
-- Muito bom. Mas ainda precisa de um pouco de descanso, tome... - e entregou-lhe um jarro com uma bebida revigorante que aqueceu-lhe todo o corpo, completando em seguida - Somos os Haltiff, vivemos longe de qualquer cidade que possa haver na ilha. Encontramos você desmaiado a uma hora de caminhada da nossa vila, deve ter vindo de longe, porque dorme já faz 2 dias seguidos.
Merkill ficou espantado com as informações que lhe foram dadas abruptamente, que por mais que fossem poucas, pareciam em quantidade excessiva para a sua ainda cansada mente. Então foi levado para uma tenda, acompanhado por alguns curiosos, enquanto a música continuava soando, ao longe, como se viesse das próprias estrelas.
Logo de manhã, Merkill acordou sentindo-se bem mais descansado (talvez aquela bebida tivesse esse efeito), mas demorou-se um pouco na tenda, em parte por preguiça (porque afinal, fazia tempo que não conseguia dormir tão confortavelmente), em parte por medo e receio dos curiosos. Depois de algum tempo, saiu da tenda e pela primeira vez percebeu de fato onde estava: uma pequena vila com algumas tendas enfeitadas e coloridas e outras construções feitas de pedra, extendendo-se ao longo do relevo irregular, revezando espaço com algumas árvores. Havia um poço (onde supôs que seria o centro da aldeia) e mulheres iam ali para o abastecimento diário de água. Via-se diversas atividades, mas nenhum tipo de mercado, presumindo que viviam numa espécie de comunidade.
Ao dar os primeiros passos em direção ao poço, algumas pessoas já tiveram sua atenção atraída para o fino pescador que andava no meio deles. Chegou no poço e ali pediu a uma senhora por água, sendo prontamente atendido, mas dando brecha para que se iniciasse uma conversa, o que significa no caso dele, milhares de perguntas curiosas. Ajuntaram-se em volta dele várias pessoas das mais diversas idades, perguntando euforicamente, e Merkill, que começou a gostar do excesso de atenção nunca antes experimentado, respondia cada pergunta pacientemente e fazendo questão de exaltar as dificuldades que passou, além de seus feitos durante a viagem.
-- Você veio andando do mar até aqui?! - perguntou uma criança de olhos brilhantes.
-- Sim, andei por vários dias, passando alguns deles sem dormir ou comer!
-- Mas... Não viu sinal do Grande Eukarod? - fez-se um silêncio
Merkill lançou um sorriso orgulhoso, finalmente entendendo a importância de seus feitos:
-- Vi! Me encontrei com ele! - o comentário causaou um espanto geral, despertando como nunca os corações ali presentes.
-- Mas como você sobreviveu? Como conseguiu escapar?
-- Eu o derrotei... - e lançou outro sorriso, mas desta vez levantando o queixo e estufando o peito.
Os olhos se arregalaram e por um momento tudo congelou. E então, olharam-se uns pros outros e quase que sincronizadamente soltaram um efusivo grito de vitória, levando uns a dançarem, outros a beijarem os pés sujos de viagem do pescador (que por mais que estivesse gostando de toda a bajulação, sentiu nojo pelos beijoqueiros e recolheu os pés, quase caindo para dentro do poço, aonde estava apoiado). Em meio a agitação, surgiu o velho da noite passada com seu mesmo manto, que após ser informado dos acontecimentos, dirigiu-se a Merkill, com os olhos dilatados:
-- É verdade, caro homem? Derrotara Eukarod?
-- Ahm... - respondeu Merkill, ainda desacostumado em ser o centro das atenções - É verdade...
-- Ah, céus! - gritou o velho - Predizi nas estrelas e na Lua que alguém viria derrotá-lo e acabar com nossa angústia! Um deus se levantaria contra o monstro e o esmagaria com força de pedra! - as palavras do velho deixaram Merkill atônito, lembrando da pedra caindo na cabeça do gigante verde e da verdadeira razão pela qual o monstro foi derrotado.
-- Estamos diante de um deus! - completou o velho - caiam de rosto ao chão, fomos agraciados pela presença do deus... - e olhou para o pescador, insinuando um complemento, que foi logo respondido por ele:
--... Merkil
-- O deus Merkill! Façamos 3 dias de festa, conforme nossos rituais! dançem e cantem, ó Haltiffs!
A agitação saiu do controle daquele indefeso pescador, que sentia um grande incômodo por dentro, e por mais que ele soubesse o motivo, não queria adimiti-lo, não queria voltar a ser um simples pescador. Então, voltando-se aos olhos de cada um naquela vila, encontrou um que não estava entusiasmado: uma jovem menina encontrava-se de braços cruzados e testa franzida, encarando-o friamente. Voltou o rosto para o lado oposto e saiu apressada para o outro lado da aldeia, com os punhos cerrados.
Já chegara a noite, e a festa continuava em sua agitação (muito maior do que a noite passada, se isso for possível) e Merkill divertia-se, batendo palmas no ritmo da envolvente música, assistindo os moradores dançarem habilidosamente, mas algo no fundo de seu coração fazia com que seu sorriso não fosse sincero, algo ainda o incomodava e por mais que tentasse afastar de sua mente a razão, ela parecia estática e firme como uma rocha, pregada no centro de seus pensamentos. Foi então que sentiu a vontade de voltar a sua tenda e fugir por um certo tempo de toda a euforia. Ao chegar à tenda escura, fechou os olhos e sentou, pensativo, dirigindo a palma das mãos à cabeça. De repente uma rápida navalha cercou sua garganta à milimetros de rasgá-la; uma mão apoiava-se na sua nuca, trêmula, e depois de certo tempo uma voz surpreendente revelou-se:
-- Quem é você? - a voz era feminina, assim como as mãos pequenas, porém não tão delicadas que o ameaçavam.
-- Como assim? - respondeu Merkill, respirando cuidadosamente.
-- Quem realmente é você? Porque sei que um deus você não é!
Merkill, suando, não respondeu.
-- Procurei e vi o cenário da morte do Monstro... - não houve resposta, apenas o fechamento dos olhos e o desejo de que nada disso estivesse acontecendo - ...como que alguém como você poderia causar aquilo? E com um deus desmaiaria de fome e cansaço numa floresta cheia de árvores frutíferas? - Árvores frutíferas! como não tinha pensado nisso? Era tão óbvio! Pensava o tempo todo na Árvore, mas não conseguiu ter a capacidade de olhar para as que estavam a sua volta por comida! Talvez até tenha passado pela Árvore, mas não percebera! Merkill finalmente se desesperou:
-- Eu nunca disse que era um deus!
-- Eu sabia! Mas também nunca negou! - acusou, enfim, a outra voz.
E chegou a Merkill a sensação... a sensação de falha. Sabia o tempo todo o porquê da viagem. Sabia quem lhe ordenara a missão. Sabia exatamente quem era antes disso tudo (e quem exatamente não era: um deus). E sabia quem havia derrotado o Gigante Eukarod. Sabia a única razão por que ainda estava vivo. Sabia a única razão por que chegara aonde chegara. Sabia, mas negou. Sabia, mas falhou. E lágrimas rolaram por seus olhos e um soluço despertou sua garganta, arranhando-a na navalha suficientemente para que ficasse uma marca, uma cicatriz. As gotas salgadas que desciam pelo seu rosto carregavam todo o arrependimento e insegurança que Merkill já havia guardado em seu corpo durante toda a sua vida. E sentiu medo por si mesmo, medo dá fúria que poderia ter despertado naquele que o guardou até aqui e sabia: merecia a morte e iria encontrar-se com ela, se não fosse pela navalha da enfurecida jovem, seria pelas mãos dos aldeões, quando descobrissem sua mentira.
-- Levante-se! - ordenou a menina, que empurrou-o para fora da tenda, até o local da música.
Quando os moradore da vila viram o deus ameaçado com uma faca pela garota, pararam a música, atônitos, clamando para que ela não o matasse, não sangrasse o seu deus.
-- O que está fazendo? - indagou o velho à menina, apreensivo.
-- Diga! - foi a única coisa que a garota respondia, pressionando cada vez mais a faca nas costas do pescador.
Merkill fechou os olhos:
-- Eu não sou deus! Quero dizer... não sou eu o seu deus... nada do que fiz foi por minhas forças, ou pela minha sabedoria... quero dizer, eu sabia algumas coisas e fiz outras, mas no final... no final, eu não conseguiria ter feito nada disso sozinho...
E os olhos dos moradores daquela vila incendiaram-se, assim como seus corações, impelidos por raiva e ódio. Raiva e ódio por terem sido enganados, por terem sido tratados como tolos.
-- Então quer dizer que Eukarod ainda vive? - e os aldeões tremeram de medo.
-- Não. Está morto... mas não fui eu quem o matei... foi alguém infinitamente mais poderoso do que qualquer dia eu poderia sonhar em ser... E Merkill, de olhos úmidos e voz trêmula, começou a falr sobre a sua viagem e os verdadeiros acontecimentos, os verdadeiros feitos, e de quem foram os feitos. No final, estava falando cabisbaixo e com os olhos fechados, contendo as lágrimas, e ao dizer suas últimas palavras (talvez as últimas de sua vida) completou:
-- Me perdoem... Me perdoe (mas este último pedido não foi para os aldeões) - e levantou a cabeça, assim como os olhos, e para sua surpresa não só ele chorava, mas toda a vila.
-- Diga-nos mais... - pediam - diga-nos mais sobre esse Romah de que nos fala...
-- Não sei muito mais...
-- Mas o que devemos fazer... como fazemos para estar com ele?
-- Eu... - parecia-lhe que as palavras saiam espontaneamente de sua boca - ...eu só sei que ele esteve em todos os lugares que eu fui... ele também já está aqui... na verdade eu ainda tenho que cumprir uma ordem dele... a Árvore... tenho que achar a Árvore dos Sonhos e Desejos.
Os moradores da vila aprontaram-se imediatamente, falando entre si, e se remexendo, até que um deles voltou com um mapa da região, onde estava calaramente desenhado uma árvore solitária numa parte da ilha, apontada pelo dedo do Haltiff que a entregara:
-- Vá! não devemos segurar-lhe nem mais um pouco!
-- Ahm... - respondeu Merkill, confuso - Obrigado... obrigado... e começou a dirigir-se em direção a mata (não sabendo ao certo para que direção devia ir ainda) até que foi interrompido pela jovem:
-- Espere! - Merkill congelou de medo de que ela ainda estivesse ávida pela morte dele - Pelo jeito vai precisar de um guia. Completou a menina com olhos molhados, seguindo de um sorriso.
Então, depois de prontos para iniciarem a viagem (e no caso do pescador, reiniciar), a vila toda despediu-se deles com lágrimas, mas lágrimas de alegria pelo que acabaram de descobrir: uma razão nova para viverem, para terem esperança. Partiram então, por entre a floresta densa, mas dessa vez, Merkill lembrara-se da sua missão, do seu propósito, e silenciosamente, jurou não mais desviar dele.
-- Meu nome é Laria, caso precise me chamar quando se perder...
-- Me perder? - Merkill ainda não tinha noção de por onde andava e a pergunta fez os lábios da menina abrirem-se num sorriso (um tanto quanto superior), que acelerou o passo por entre a vegetação, rumo a uma clareira apra que pudesse passar a noite. E o pescador seguiu-a, renovado.

7.3.09

Longa Jornada

Todos caminhavam juntos, alguns envolvidos em profundas e cativantes conversas, outros rindo alto, outros ainda de mãos dadas, e eu. Percebi que todos trilhavam um mesmo caminho, e me perguntei porque estavam todos na mesma direção, mesmo não tendo quase nada em comum entre si. Depois de um certo tempo, fui seguindo os olhos por entre as pessoas mais adiante e vi uma pequena aglomeração mais a frente. Quedei-me por um bom tempo, tentando descobrir a razão daquele pequeno grupo, ou quem escutavam (cheguei a conclusão que escutavam alguém porque ninguém dali falava, exceto em raras ocasiões; além de estarem todos entretidos com as faces viradas para um mesmo ponto). Até que por uma brecha na multidão, enxerguei um homem de média estatura, comum aos olhos e em nada especial. Falava. Era ele que falava! Por que todos daquele pequeno grupo prestavam tanta atenção nele? Talvez ele seja engraçado, e as pessoas gostam de ouvir suas piadas (porque afinal, todos ali pareciam contentes). Observei-o por mais um tempo e conclui que não contava piadas, mas falava de modo muito envolvente. Senti imensa vontade de saber o que falava, o porquê de seus olhos parecerem reluzir ao simples ato de viver. Mas senti também imensa vergonha: como apareceria ali, sem ao menos conhecê-lo ou saber seu nome? Como ele poderia se interessar por alguém como eu? E se for rejeitado? Não. Não vou. Fico por aqui, tento chegar um pouco mais perto e quem sabe ouço suas palavras de longe.
Fui ultrapassando algumas pessoas, que pareciam nem notar-lo, e chegando mais próximo ao início da multidão, reparei que a estrada a frente encontrava uma bifurcação e fiquei interessado por saber quem decidiria para onde iriamos. Quando o obstáculo aproximou-se lentamente, o grupo mais adiante parou e aquele homem começou a trilhar a passagem à esquerda e todos o seguiram. Será que era ele a razão de estarem todos fazendo aquela mesma caminhada, aquela mesma viagem? Virei meu rosto, de forma que podia ver todo o resto da multidão atrás e percebi que alguns desatentos escolheram o caminho à direita. Dentre esses, alguns ainda ouviram advertências dos amigos e corrigiram seu andar, mas outros decidiram que aquele seria um caminho melhor (não há como saber, não trilhei por ali, mas acho muito difícil aquela jornada ter sido melhor do que a minha; o porquê digo agora).
Quando voltei o olhar a frente, meus pés pararam de repente; senti como se um fino e gélido fio d`água percorresse todo meu corpo, dos dedos dos pés parando ao pescoço, entalado. Diversos pensamentos percorriam e corriam confusos na minha mente, o que fez com que eu não tivesse controle nenhum sobre meu coração, que disparou exasperada e irregularmente: O homem vinha em minha direção. Olhei para os lados e conferi que ninguém estava ao meu lado. Estava sozinho. Estava só. Em seguida não tive mais dúvidas, era para mim que ele vinha; seus olhos me miravam incansável e amorosamente. "Por que não me acompanha?" disse, seguido de meu nome (como ele sabia meu nome?) "Não sei. Eles parecem ser seus amigos, eu nem te conheço..." respondi e tive vergonha de minha resposta. "Não é essa a razão..." disse ele, por sua vez, seguido de um sorriso, que deixou tudo realmente mais fácil e confortável. Ele tinha um modo de parecer que eramos conhecidos de longa data (e talvez ele realmente já me conhecesse). Não respondi nada, não tinha resposta. "Venha, quero você por perto!" e abriu um largo sorriso, imitado por seus braços. Aceitei o convite, e o que se passou a frente não sei dizer, tudo ainda é muito novo. Sei apenas de uma paz inexplicável, um prazer incessante de poder ouvir as suas palavras. Ao longo da longa jornada, ele ainda convidou mais algumas pessoas mais para perto (as outras restantes imagno que já haviam sido convidadas), mas algumas recusaram, alegando que a caminhada já lhes pareciam prazerosa de seus lugares mesmo (não acreditei, e creio que nem ele). Mas quero descobrir mais, saber mais, conhecer mais. Quem sabe eu comece pelo seu nome...