5.5.11

O homem que viajava no tempo

E se houvéssemos inventado a máquina do tempo? Ou ainda mais... e se o homem, um dia, fosse abençoado com o dom da manipulação temporal? Como andaríamos em humanidade? Teríamos a tão desejada possibilidade de corrigir erros passados, mas lógico, demandaria algum tempo até que chegássemos às melhores estratégias. Primeiro iríamos voltar, voltar, ir, voltar e ir, só pela diversão e curiosidade, até que percebêssemos não saber mais onde estamos, que o tempo perdeu sentido e não sei mais se é o meu tempo, ou de um outro eu que também está fora no momento. Depois do desespero inicial e a busca desenfreada pela sua casa (que não mais teria sentido de lugar, mas de sua época natal), encontraríamos uns tantos viajantes em busca das mesmas coisas. Nos denominaríamos pelo ano que os poderes chegaram (considerando que atingiram toda a linha do tempo igualmente) e nos ajuntaríamos em bandos, procurando fazer os cálculos para voltar aos nossos próprios segundos. Afinal, saímos num momento, mas não significa que os momentos deixaram de passar. Poderíamos saber o dia e ano em que deixamos nossa casa, mas poucos saberiam as exatas horas, minutos e segundos. Ainda mais poucos saberiam as exatas horas, minutos e segundos que chegaram no seu destino, restando sãos apenas aqueles que, por prudência ou desânimo escolheram nunca viajar.
Com algum tempo, nos conformaríamos, passando a viver no presente como se fosse seu próprio tempo. Aprenderíamos a usar as habilidades em casos extremos: o número de mortes cairia drasticamente, todos evitando a foice nos últimos suspiros, mas descobriríamos que nada nos impediria de morrer. O fato de poder fugir de quase tudo não nos possibilita fugir de nós mesmos, e se nossos corpo sofre, sofrerá até o fim.
Numa tentativa de felicidade - novamente pela fuga - as viagens começariam a se dar uma vez que nós fizéssemos escolhas erradas, que levam à dor. E pronto, o remédio do instante girou o mundo rapidamente. Sentiríamos dor, voltaríamos atrás, prevenir o acontecido. Até que nos deparássemos com muito menos situações de prazer. Por alguma razão, a proporção de coisas boas depende das más, ou pelo menos que se enfrente determinadas situações. Uma nova estratégia correu o mundo: uma vez que nossos planos falhassem, voltaríamos e tentaríamos de outra forma, até que obtivéssemos bom resultados. Nossa alegria residiria na conquista desses pequenos momentos.
A frequência das viagens aumentaria assustadoramente, quase como epidemia, o que correria pelos jornais de todos os tempos (que tem jornais). Haveria grande decepção quando, visto que a circulação temporal era intensa pela filosofia corrente de viagens no tempo, cada viagem traria uma situação nova, mesmo que voltando minutos atrás. Numa briga de casais, um profere um dito maldito e decide voltar para refazer, passando dois segundos sozinha, a outra volta para evitar a "talvez-fuga" do amado, que por sua vez encontraria sua querida de não sei que tempo, com não sei que mentalidade, que talvez já tenha passado por umas tantas situações como da que veio o um, e... vê-se o imbróglio.
Haveria também aqueles que aproveitariam as oportunidades para roubar e fugir, na expectativa de nunca serem achados. Mas aqueles do futuro, percebendo padrões e repetições, conseguiram desenvolver técnicas para seguir os traços de um, espalhando-as pelos mais diversos tempos possíveis, a fim de procurar seus piores criminosos. Haveria também muita fome. Com a inconstância do homem, as plantações deixariam de ser cuidadas, sem grande reposição humana, o que faria com que presidentes do mundo inteiro voltassem no tempo para evitar lidar com tamanhas pressões.
O tempo ia ou não passando, e as pessoas não conseguiriam nutrir relacionamentos duradouros, sempre com a sensação de não serem seus. Não se acharia mais o amor ou o interesse pelo próximo. Seria tudo em vão e todos pereceriam, pouco a pouco, segundo a segundo, sem poder controlar a si mesmos. Até que, de fome, acidentes, crimes, idade, saúde (e suicídios), tantos morreriam, que não se poderia contar os corpos. E enfim, restariam aqueles poucos fieis, que no início decidiram não se entregar à loucura do mundo, ou se arrependeram a tempo, permanecendo e se aperfeiçoando. E ensinariam a mesma coisa a seus descendentes, até que chegasse um tempo em que, pelo prudente desuso, ninguém mais saberia possuir poder algum.


E nada impediria deste ser o tempo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário