26.4.12

vermelhando

O verme é uma coisa tão linda e insignificante;
tão diminuto;
ocupa um lugar ingrato - mas necessário
- na natureza
e não falha.

Ele come os mortos.
(e também os vivos, no tempo livre)

Ninguém o ama.
Pisam-lhe, sim, os desgostos;
lastram nele toda angústia;
culpam-no da existência patética,
enquanto remove o podre de todos.

Nunca matam.
(mas cuidam da morte)

Se são bons? Não sei...
não importa.
não mais.
Já me cuidam das entranhas
e me dão à terra.

5.4.12

Deus ama as aranhas

Há quem diga que as aranhas são, de todos os aracnídeos, artrópodes ou animais pequenos, de todos os campestres, urbanos ou desérticos, de todos os céfalos, bicéfalos ou acéfalos, bípedes, quadrúpedes ou polipedes, vegetarianos, carnívoros ou vampíricos entre até aqueles que fazem greve de fome, entre animais dos céus, colinas, rios, pântanos, vasos ou cantos de escada, entre inteligentes, "com dificuldades" ou desprovidos de toda e qualquer faculdade mental, entre todos os animais animados, tediosos ou irritantes, entre os seres que se multiplicam, reproduzem ou usam preservativos, entre os fantasiosos, míticos ou simplesmente irreais, machos, fêmeas, indecisos ou inexistentes, grandes, pequenos, gigantescos ou minúsculos, coloridos, retrô ou degra, maléficos, bondosos, culpados com ou sem dolo e até os inocentes - se existirem -, enfim, de todos os seres contidos ou não no Reino Animal, os mais asquerosos.

Mas por quê? Quem diria tamanha estupidez? Quem poluiria o grandioso mar de ideias do ar com tamanha insolência? Ou ainda, quem seria tão preconceituoso a este ponto?

Digam o que quiserem! Mas as aranhas são sim, de todos os aracnídeos, artrópodes ou animais pequenos, etc., etc., etc. os mais asqueroso. Diria até mais! - os mais repugnantes - oh, céus! Prendam-no!

Um momento, um momento... tenho provas - impossível! - não, tenho mesmo provas!
Vejam só, estes bichos asquerosos são mais do que desenhados para assim serem. Suas pernas, como todo artrópode, são divididas em uma série de articulações, mas retorcidas a um ponto de extremo incômodo. Partem do corpo para cima, invariavelmente, num ângulo invejável, mas caem bruscamente, desrespeitando toda lei física, estética, matemática e filosófica antes conhecida. Dobram-se mais, e contorcem, se contorcem até mergulhar oito pontas peludas no solo. Alguém já viu algum outro artrópode tão inconveniente? - as formigas... - não, nem continue! Poupo-lhe de usar tal argumento antes que se envergonhe. Olhe só para as formigas! Sim, suas pernas também tem articulações (como bem disse anteriormente, se tivesse prestado atenção), mas não se trata especificamente delas, mas da forma com que se comportam. As formigas, insetos tão admiráveis e dignos de respeito (não acredito que iria mesmo fazer tal comparação), ainda nos agraciam com algumas curvas. E se, porventura, tiverem no mínimo um ângulo reto, é porque lhes são permitidas devido ao seu intenso trabalho diário, coitadas. Voltando... agora ao céfalo-tórax. Que construção mais horrenda! Nem mesmo os monstros mais temerosos de Homero eram audaciosos a este ponto, sempre tiveram ao menos uma cabeça com uma mínima separação entre esta e o corpo. Mas imagine só, ou melhor, não imagine, veja como é intolerante esta forma, que junta tudo em um só, com seus inúmeros pares de olhos (para quê tantos?) e suas presas infalíveis. Sim, estas doloridas castigadoras, penetrando corpos, independente de seu tamanho, capazes de liquefazer todo o interior de uma pobre vítima e, sem respeito algum por sua alma, sugá-la! Sugá-la! E então, por fim, vem aquele abdômen, uma fábrica incessante de armadilhas e enganações, com insolúvel proporção, dando-nos a constante sensação de desequilíbrio. Este bicho, digo (e antes tenho de dizer que estou admirado pela falta de interrupções), foi todo feito para ser inadequado.

No entanto, sei, virão seus defensores. E direi que, em sua maioria (com exceção do pobre homem que me ocupou com questões ignorantes anteriormente), estão certos. As aranhas tem uma riqueza de diversidade nunca vista em nenhum outro animal - e, quiçá, nunca mais existirá animal tão diverso - sim, tenho de concordar. Suas cores são inacabáveis, a variedade de suas espécies impossíveis de serem apreendidas, seus tamanhos todos distintos, com proporções inigualáveis. A sua própria anatomia nos mostra uma riqueza de ângulos e formas, retas e curvas e nos leva sempre a pensar o inesperado. A engenhosidade de suas artimanhas é invejável, na tecelagem daquela pegajosa e trapaceira teia, mais forte do que aço e mais maleável que algodão. Os desenhos que nelas encontramos formam as mais curiosas figuras e sua caça inteligente, sem sair do lugar, nos faz repensar na eficácia de nossos métodos - sabia que iria mudar de ideia! - arre! Mudar de ideia? Só porque sei reconhecer as qualidades de meu objeto de crítica não a anula por completo, muito pelo contrário, mostra a imparcialidade de minhas decisões e resoluções, prova que conheço o meu alvo e fundamenta minhas críticas a seus defeitos. Concluindo, confirmo sim: as aranhas são, de todos os aracnídeos, artrópodes ou animais pequenos, etc., etc., etc., os mais asquerosos e repugnantes.

Existe, entretanto, uma terceira corrente que diria: "de fato, as aranhas tem todo o design para serem criaturas horripilantes e inadequadas, e parece que se aproveitam disso. Não seriam elas, então, belas, no sentido de que cumprem seu papel de inadequação, sendo justamente tanto inadequadas quanto possível?" Admito que essa pergunta me intriga, pois levaria a seguinte: "Por que Deus projetou criaturas tão horrendas, sabendo que assim seriam? Será que ele as deu a função de serem exatamente horripilantes?". Confesso que não a sei responder, a pergunta. Mas sou levado a pensar: tendo Deus feito todas as coisas, por conseguinte foi ele que fez todas as aranhas. Gastou um pensamento particular em cada espécie, brincou com as cores, ajeitou as patinhas, o número de olhos, os desenhos e tatuagens diversos, adaptou-as a - quase - todo tipo de ambiente, deu a cada uma delas uma forma diferente de trançar teias, de atacar suas presas, de lidar com o instinto da sobrevivência. Enfim, sou levado a crer que fazer aranhas era algo de seu gosto, que gastava horas e horas imaginando uma forma outra de criá-las, até povoar toda a Terra com todo tipo de espécie. Ora, uma criatura assim espalhada por todo o globo, tão diversificada, na qual ele deu tamanha atenção particular... diria, por fim, que Deus ama as aranhas... talvez até a ponto de morrer por elas.