11.11.14

De poetar

O poema é ocasião.
É a foto da alma,
O prazer na calma,
A verdade na oração.

Poetar é receber o que está adiante,
Perceber seus movimentos
E - por que não? -
Sua paralisia.
É escolher a luz, o foco, a lente
E ver o diferente
Em tudo o que já é.

Poetar é dizer não à pressa,
É negar a pressão impressa
Pelo inimigo da beleza,
O diabo da nossa gente,
Que nos impede de ver a nossa
Própria
Pobreza.

Poetar é falar com Deus,
É sentir nos ossos a fraqueza
Do ser (belo) humano.
É deixar que ele enterneça
A angústia,
O orgulho,
O engano
E assim...

Entrega os olhos à luz,
A calma à rotina
E a alma a Deus.



5.11.14

Luz e Trevas

Estamos nas trevas. Na mais profunda, inexorável escuridão. Estamos tão envoltos pelos seus ramos, que estes se confundem com nossa pele, penetram nossas veias, encharcam nossas mentes, lambem nossos olhos e, até mesmo, atrofiam os músculos. A escuridão cansa, drena a própria essência da vida e quebra a vontade, mantendo-a respirando com alguns petiscos por dia. A escuridão é nossa irmã, cunhada, tia. É nosso sustento e nosso parasita. É a mão que oferece o alimento do dia e que nos arranha a garganta. Nascemos na escuridão e estamos fadados a viver a vida inteira em seus braços. Nem saberíamos como viver distante da tal implacável treva.

Veio a luz,
veio o dia...
O mais intenso feixe de luz
revelou-se
na forma
de
homem.
Paz
cristalizou-se
em
 nome.
Ele é
vida.


A luz nos feriu, causou-nos a mais intensa angústia. Os músculos gemiam, os olhos tremiam e a língua via toda dor. Alguns, não suportando a agonia, fugiam. Quanto mais a luz se aproximava daqueles que ficaram, mais repelia aquela que outrora nos sustentava. A escuridão nos chacoalhava, retorcia e flagelava. Outros correram do dia, pedindo clemência. Daqueles que ali ainda estavam, as trevas saíam deixando marcas, agarrando-se firmemente à nossa carne com seus dentes predatórios. Sangrávamos. Sangramos... Em sua ceifada final, deu-nos um golpe fatal - se ela não sobrevivesse, não também teríamos de morrer. E morremos. Nossos corpos frios, estatelados pelos chãos deste mundo enfeitavam o dia recentemente iluminado.

Aqueles que experimentaram a morte foram banhados pela luz. Os que foram quebrados pela escuridão eram aos poucos reconstruídos pelo dia. A vida, enfim, visitava o ser humano - e este nunca se sentiu tão livre...

O ladrão vem apenas para furtar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida, e a tenham plenamente. (Jo 10:10)
Pois sabemos que nosso velho homem foi crucificado com ele, para que o corpo do pecado seja destruído e não mais sejamos escravos do pecado; pois quem morreu foi justificado do pecado. (Rm 6:6-7)
O ladrão vem apenas para furtar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida, e a tenham plenamente.

João 10:10

10.8.14

Beleza média

Não há nada mais bonito que a beleza média. Em primeiro lugar, porque poucos falam dela. Não é surpresa para ninguém que as estéticas mais populares beiram os dois polos - o do sublime e do grotesco. O primeiro representa a ilusão do desejo humano e o segundo a abnegação - mas nenhum dos dois supre as vontades mais profundas do ser humano, coisa que só a beleza média pode fazer. A beleza sublime é a fantasia de buscar o inalcançável. É o pensamento equivocado de que, quanto mais próximo da simetria tirana, mais profunda será a satisfação do ego. É o ideal de que precisamos de cada vez mais - inflando e inflando o ser, deixando-o inchado e obeso. A arte, a natureza e a sabedoria já nos mostraram que o exagero não é equivalente à satisfação. Um campo extenso e repleto das flores mais belas é impressionante. Mas é ainda mais impressionante perceber uma flor qualquer em meio a um campo cinza. Como já dizia Drummond:

"Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu."

Também o grotesco, a abnegação completa, não é a resposta para as necessidades humanas. Nascido da frustração de um mundo que venera a beleza sublime, o grotesco surge como reação à impossibilidade de alcançá-lo - porém sem nenhuma moderação. É a tentativa de humilhar a humanidade, destruir as bases de suas edificações, queimar os campos repletos de flores - para que então possa surgir nova vida. Contudo, o grotesco não foi bem sucedido nem em seu projeto de  destruição completa, nem na utopia de se reconstruir a vida. Como poderia a violência gerar vida? Como poderia a feiura renovar a beleza? O grotesco é apenas a alma se afogando em sua obscuridade, é a besta que irrompre de dentro do pobre humano. Como já dizia Augusto dos Anjos:

"Era como se, na alma da cidade,
Profundamente lúbrica e revolta,
Mostrando as carnes, uma besta solta
Soltasse o berro da animalidade."

A beleza média não dispõe da popularidade da sublime ou da grotesca. Mas é bom que assim seja. Se fosse louvada em cada esquina, a ganância do homem já a teria transformado em produto. Discreta, ela não carece da publicidade de ninguém. Ela desliza por entre a gente despercebida, inspirando no anonimato. A beleza média é a suspensão entre o sublime e o grotesco. Não é pomposa como aquela, nem radical como esta. Sua principal virtude é ser real. A mulher em sua juventude traz consigo o frescor da vida. É bela por tudo aquilo que tem ainda pela frente, por tudo que ainda não experimentou - denunciada pela pele lisa. Quando se depara com o tempo e envelhece, as rugas aparecem, mas a beleza é a mesma. A beleza média se manifesta no seu justo cansaço, nas marcas que a vida lhe deixou - e que foram superadas. A beleza média repousa no espírito perseverante da experiência, na moderação da sabedoria, no simples e no real - acima de tudo no real. O mais belo da mulher é o fato de ser real. Quando se percebe a realidade da textura do ser vivo, o despimos; passamos a perceber a simplicidade de sua natureza. E, aí sim, estamos prontos para amá-lo. A beleza média satisfaz o ser humano porque o dá a permissão de amar.

A beleza média não busca absorver mais e mais do mundo. Ela tampouco quer destrui-lo. Ela nos liberta da vaidade do exagero e do desespero da destruição, a ponto de perceber a vida como ela é, experimentar de sua realidade. Passamos, enfim, a reconhecer o valor real do que nos envolve. Conhecemos a vida e todos os seus nuances. Apreciamos sua riqueza sem nunca desejá-la. Vemos, inclusive, a beleza na morte - e todas as possiblidades que ela oferece. Como já disse o apóstolo:

"Mais do que isso, considero tudo como perda, comparado com a suprema grandeza do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por cuja causa perdi todas as coisas. Eu as considero como esterco para poder ganhar a Cristo e ser encontrado nele (...) Quero conhecer a Cristo, ao poder da sua ressurreição e à participação em seus sofrimentos, tornando-me como ele em sua morte para, de alguma forma, alcançar a ressurreição dentre os mortos."

Mais do que isso, considero tudo como perda, comparado com a suprema grandeza do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por cuja causa perdi todas as coisas.

Filipenses 3:
Mais do que isso, considero tudo como perda, comparado com a suprema grandeza do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por cuja causa perdi todas as coisas.

Filipenses 3:
A beleza média revoluciona o mundo através da simplicidade. Prova maior disso é a própria Beleza ter se transformado em homem médio, carpinteiro, de mãos rudes e face medíocre. A Beleza despiu-se de si mesma e vestiu a pele de um homem comum. Em suas vestes toscas, ensinou-nos a perceber a vida e todas as suas possibilidades. Em sua simplicidade, descarregou-nos do peso tirano do sublime. Em sua realidade, tocou, sentiu, amou e sangrou. Eis aí a supremacia da beleza média:

"Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvasiou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até a morte, e morte de cruz!"

18.6.14

Branco

Muito se engana quem vê a pureza
como um branco morto,
o vazio completo,
o suspiro
- e só.

A verdadeira pureza é branco flamejante.
É uma onda que engloba,
envolve e dissolve,
dando luz a todas as outras cores
- é tudo.

17.6.14

Salmo 2

Arrasta-se furtivo o traiçoeiro
e leva consigo o punhal enganador.
Suas palavras venenosas cheiram a mel
e os olhos, fitos no tesouro, disfarçam a alma.

Pelos becos escuros trama,
mente, desmente e convence o distraído.
Engendra com gestos e elogios desmedidos
- claro, com todo cuidado - seu vil plano.

Tece inteira a teia
e cava a escura cova.
Cobre cada pequeno espaço
e aguarda ansiosamente pelo bote.

Mal sabe ele, pobre coitado,
a falha do plano infernal:
Seu pé tropeça na cova
e a mão enrosca na teia.

A dança inverte o compasso.
O homem vil, em desespero,
é preso pelo próprio laço.
Cai de joelhos, rendido,

e observa o riso farto do vencedor,
que andava pacientemente
- acompanhado
de seu salvador.

23.4.14

Solução

Toda palavra está repleta de significado.
Toda menos uma.

Ela perambula, errante,
pelos lados errados.

Gasta-se pelas beiradas até
dissolver-se por inteiro.

Espalha-se pelo ambiente, camuflado,
rasgando cada um de seus pedaços.

E morre morte disfarçada,
regando o mundo com suas partes.

Ai, beleza de desvanecer!

5.3.14

O medo e seu antônimo

Estático.

Tomas sua mão no imenso vazio,
moves da escuridão os pés do fraco,
curas o coro de dor de seu calo,
e o lavas puro em teu grande rio.

O medo é a menor das milhares mortes,
o medo é a pior das menores mortes.

Vida.

Queimas os restos em sua imensa brasa,
reúnes o pó do corpo do fraco,
restauras em dor para o seu agrado,
e manda-o puro a viajar com asas.

O amor é o grande antônimo do medo,
meu Deus é o grande antônimo do medo.